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quarta-feira, 19 de junho de 2013

Por que não escutar a sociedade civil?


18/06/2013
E se, de repente, a sociedade civil parasse de ir às ruas e, de maneira ordeira, organizada, decidisse se unir previamente para conseguir ter voz na mudança de uma lei que vai mexer muito com todo o território nacional? E fizesse reuniões, e convocasse representantes de diversos movimentos sociais, exatamente do jeito que se aprendeu a fazer quando acabou a ditadura e ingressamos no sistema democrático, mais trabalhoso porque mais participativo.
Mais rico porque todo mundo, pelo menos em tese, tem direito a falar e ser ouvido. Eu disse em tese.
Porque na teoria, a prática foi outra.  Dia 29 de maio, portanto há menos de um mês, 48 entidades se reuniram em Brasília e lançaram o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração. A ideia era se adiantar à publicação da lei que vai mexer com o Código de Mineração atual, que data de 1967. Governo, empresas e movimentos sociais concordam em que o documento atual está caduco, trata-se de um Decreto-Lei imposto na fase da ditadura militar, com um modelo feito em cartórios, que não tem nada a ver com os padrões atuais, onde as relações público/privadas estão mais avançadas. Mas, o que precisa ser mudado e como serão feitas essas mudanças? Aí é o X da questão.
Para os movimentos sociais, a lei tem o mesmo peso do Código Florestal e exige mobilização intensa. Não custa lembrar que o setor da mineração mobiliza anualmente US$ 50 bilhões.  Mais do que isso: a atividade é invasiva, poluente, mexe com a vida de comunidades inteiras, mesmo quando a chegada da empresa é bem-vinda pelas pessoas carentes de emprego e que sonham com o desenvolvimento, o sucesso, o progresso. No fim das contas, sabe-se que nada disso é isso tudo.
Pois bem. Dessa vez, diferentemente de quando o Código Florestal estava para ser aprovado, as ONGs e associações se anteciparam, reuniram-se, debateram, fizeram muitas sugestões. Sua participação, nem tanto como técnicos, mas como vigilantes da qualidade dos gastos públicos, é fundamental, assumem especialistas. Assim como as empresas devem à população um estudo de impactos e planos de recuperação da área degradada e de monitoramento no pós fechamento da mina, os gestores públicos também têm que dizer para a sociedade o que farão com o dinheiro que vão receber das empresas. A reportagem de hoje do “Valor Econômico” diz que a compensação financeira pela exploração de recursos minerais (Cfem) aumentará de R$ 1,8 bilhão para cerca de R$ 4,2 bilhões.  Quem vai cobrar, senão a sociedade civil organizada?
Muitas reuniões foram feitas para tentar viabilizar essa participação.
Mas amanhã, diz a reportagem do “Valor”,  em cerimônia no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Roussef anunciará o  novo Código. Quando li a matéria, embalada pelos sentimentos contraditórios que as manifestações nas ruas do Rio, São Paulo e Belo Horizonte têm produzido, corri para saber se poderia dar uma boa notícia aqui no blog.  Será que, uma vez organizada e usando as ferramentas de que dispomos nos dias atuais, a sociedade civil pode dar um passo e ser ouvida, acatadas suas sugestões, pelo poder que controla?
“Não”, disse-me Carlos Bittencourt, um dos líderes do Comitê Nacional criado no fim de maio. —- Não fomos ouvidos. Estou recebendo informações de que cerca de 400 pessoas foram convidados,  a metade é da Vale e associadas do Ibram. Outro tanto é de cerca de 38 grupos de investidores  que  exploram os minérios no Brasil e mais umas 50 pessoas são técnicos e cargos de confiança do Ministério das Minas e Energia, do CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais) e do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral).  Não nos convidaram para a festa e achamos que isso revela muito a quem vem o código — respondeu-me ele.
Conversando aqui e ali, in off, com alguns assessores de empresas, descubro que nem a elas o novo Código parece agradar, já que vai aumentar os tributos e, com isso, podem perder competitividade frente às australianas e canadenses.
Volto, assim, ao tema participação popular. No post anterior eu defendia maneira diferente de manifestação pública, talvez aproveitando a ferramenta que ganhamos com a globalização, a internet. Mas a maneira como o governo tratou essa organização em torno do novo Código deixa dúvidas se quem está no poder, seja em que nível for, está realmente preparado para o “outro lado” da democracia:  a hora de ouvir as pessoas que estão sendo representadas. Por mais que os movimentos sociais possam precisar de mais eficiência na hora de cumprir trâmites burocráticos, o sistema democrático perde o sentido se não escutar o que as pessoas têm a dizer.
“Uma nova política é preciso”, diz o filósofo e pesquisador francês Edgar Morin em seu livro “A minha esquerda” (Editora Sulina, 2011). E esse novo pensamento, que deve religar as fontes centradas no indivíduo, na sociedade e na comunidade, agora acrescida da fonte ecológica, “implica a decomposição  das estruturas partidárias existentes e uma grande recomposição segundo uma fórmula ampla e aberta.” Para o pensador, a aspiração por um mundo melhor, sem escravizações, desprezos ou humilhações, nunca deixou de existir, mas precisa urgentemente da contribuição de um pensamento político regenerado.
Frederick Nietzsche, em seu “Crepúsculo dos Ídolos’ chama atenção para a necessidade de “ter a vontade da responsabilidade por si próprio”. Ele acreditava que cada ser humano tem um imenso território para cuidar: sua própria pele.  O filósofo alemão parecia apostar em micropolíticas, em pequenos atos de resistência. Mais ou menos como queriam fazer as delegações que se reuniram em comitê para dar pitaco, legitimamente, numa lei que vai mexer com a vida de milhares de pessoas, a grande maioria sem acesso à informação.
Eis a mensagem da nota do Comitê que acaba de ser divulgada:
“Nós, entidades que compõem o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, repudiamos a forma sigilosa como foi tratado todo o processo de elaboração do novo Código da Mineração. A solenidade de lançamento do Código, por seu caráter excludente das vozes críticas ao expansionismo mineral, não nos representa e nos deixa ainda mais receosos quanto ao conteúdo da proposta.”
Fonte: blog de Amélia Gonzalez, 17 de junho de 2013